sexta-feira, 10 de maio de 2013

O Umbigo do Mundo



 
 Zé Roberto é a pessoa mais teimosa que eu conheço. Apesar de claramente estar sem razão, ele insistiu em se opor, pública e sistematicamente, a uma singela proposição que fiz em uma crítica a uma de suas críticas de cinema.
       Apesar de toda a estima e respeito que possuo por este ilustre paraibano, meu compromisso com a verdade me deixa perante o dever de desenvolver um pouco mais as razões filosóficas que me levaram à afirmação que tanta polêmica causou nos meios literários do agreste e do sertão – quero dizer, a de que o Crato é o centro do universo conhecido. 
            Os que me acusaram de tresvariar pecam por pouca ousadia intelectual. Pretendo provar meu ponto de forma definitiva e irrefutável. A dificuldade de aceitar que uma cidade aparentemente tão prosaica seja o centro geométrico, estético e moral do cosmos origina-se de duas motivações interligadas: 1) Uma incompreensão a respeito das razões pela qual um universo como o nosso poderia ter sido criado e 2) uma supervalorização da grandiosidade como medida de valor cosmogônico.
Sobre a motivação número 1, lembremos que, a tomar pelas evidências fornecidas pelo absurdo da condição humana, a principal razão que levou à criação de um mundo a partir do Nada reside no fato de que o nada é um saco! Imaginemos um Demiurgo sem um mundo... Como ele poderia suportar aquela infinitude abissal de inexistência?! Montes e montes de coisa nenhuma apinhadas num não-aglomerado que se espraia por todos os lados que não existem! Se um ser humano medianamente inteligente se sente entediado quando é obrigado a viver num ambiente intelectualmente pouco estimulante – tais como cursos de formação de diplomatas – imaginem como não deveria se sentir uma Inteligência onipotente perante o marasmo quitessencial do não-ser.    
E não se iludam os ateus achando que a inexistência de um Criador refute o meu ponto. Se não existe um Deus, então o próprio Nada, após infinitos não-anos de inexistência, ficou de saco tão cheio de si próprio que se tornou instável. Teria sido o primeiro e mais momentoso dos suicídios: o Nada dá um tiro na cabeça e passa a existir.
Em qualquer das hipóteses, o fato é que a razão que levou à criação do Universo foi o tédio cósmico. O objetivo do mundo não é provar uma tese moral, redimir as criaturas ou permitir o desenrolar de um drama histórico: o mundo existe para entreter. Quando se percebe isso, torna-se muito fácil entender dois fatos sobre a Vida que por tanto tempo confundiram os teólogos: por que a história está tão cheia de desgraças, e por que essas desgraças costumam ser tão interessantes. A elas assistem Entes primordiais que não tem muito mais o que fazer.
Quando associamos tais insights apodíticos à motivação número 2 que mencionamos acima (ou seja, a de que a grandiosidade não possui, desde uma perspectiva metafísica, nenhum valor intrínseco), torna-se bastante fácil compreender que os objetos que constituem o Mundo não são mais valiosos, a partir de uma perspectiva criacionista, simplesmente por possuírem dimensões físicas descomunais (como certamente possuem as galáxias, os quasares e as supernovas): na verdade, o valor desses objetos deve ser medido por sua capacidade de combater o tédio cósmico. Uma bactéria invocada, um cogumelo lisérgico, um espongóide modernista ou mesmo uma catota fractal pode cumprir bem melhor este objetivo do que, por exemplo, a extensa superfície de um enorme planeta morto.
Como negar então, Zé Roberto, que o Crato seja, incontestavelmente o centro do mundo? Pois que lugar poderia melhor afastar o aborrecimento primordial do Ser, senão o barranco que há em frente ao velho Seminário, de onde se pode ver, em madrugadas tão solitárias, um tapete de astros se estendendo até a linha em que o negror pontilhado do céu encontra o mais profundo negror pontilhado do chão?  É preciso ser louco para não se embriagar com a brisa que roça as torres das igrejas e os pés de oiti. A cidade inteira dorme, indiferente a seu significado existencial, sem se dar conta de que ela é um delírio cósmico sobre uma vida prosaica, impossível e inexplicavelmente bela, na qual velhos amigos se encontram, tomam cerveja, e conversam sobre a infância.
 Não dá mesmo para evitar uma alegria incomunicável, apenas por poder ver as ladeiras, as praças, a prefeitura, o canal, os postes alaranjados, a Igreja da Sé, o parque, o palmeiral e todas aquelas casinhas... Pois a nostalgia de que está impregnada a brisa é a própria nostalgia do Nada a partir de que o mundo foi criado – criado apenas para que aquele barranco e aquela visão pudessem existir.
Todo o resto da criação – os abismos siderais, as guerras, todas as histórias que já foram contadas – são apenas um pano de fundo: elas existem para permitir um certo tom que torna o quadro perfeito.

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