Zé Roberto é a pessoa mais teimosa
que eu conheço. Apesar de claramente estar sem razão, ele insistiu em se
opor, pública e sistematicamente, a uma singela proposição que fiz em uma
crítica a uma de suas críticas de cinema.
Apesar de toda a estima e respeito
que possuo por este ilustre paraibano, meu compromisso com a verdade me deixa
perante o dever de desenvolver um pouco mais as razões filosóficas que me
levaram à afirmação que tanta polêmica causou nos meios literários do
agreste e do sertão – quero dizer, a de que o Crato é o centro do universo
conhecido.
Os que me acusaram de tresvariar pecam
por pouca ousadia intelectual. Pretendo provar meu ponto de forma definitiva e
irrefutável. A dificuldade de aceitar que uma cidade aparentemente tão prosaica
seja o centro geométrico, estético e moral do cosmos origina-se de duas
motivações interligadas: 1) Uma incompreensão a respeito das razões pela qual
um universo como o nosso poderia ter sido criado e 2) uma supervalorização da
grandiosidade como medida de valor cosmogônico.
Sobre a motivação número 1, lembremos que, a tomar pelas evidências
fornecidas pelo absurdo da condição humana, a principal razão que levou à
criação de um mundo a partir do Nada reside no fato de que o nada é um saco! Imaginemos um Demiurgo sem um mundo... Como ele
poderia suportar aquela infinitude abissal de inexistência?! Montes e montes de
coisa nenhuma apinhadas num não-aglomerado que se espraia por todos os lados
que não existem! Se um ser humano medianamente inteligente se sente entediado
quando é obrigado a viver num ambiente intelectualmente pouco estimulante – tais
como cursos de formação de diplomatas – imaginem como não deveria se sentir uma
Inteligência onipotente perante o marasmo quitessencial do não-ser.
E não se iludam os ateus achando que a inexistência de um Criador refute
o meu ponto. Se não existe um Deus, então o próprio Nada, após infinitos
não-anos de inexistência, ficou de saco tão cheio de si próprio que se tornou
instável. Teria sido o primeiro e mais momentoso dos suicídios: o Nada dá um
tiro na cabeça e passa a existir.
Em qualquer das hipóteses, o fato é que a razão que levou à criação do
Universo foi o tédio cósmico. O
objetivo do mundo não é provar uma tese moral, redimir as criaturas ou permitir
o desenrolar de um drama histórico: o mundo existe para entreter.
Quando se percebe isso, torna-se muito fácil entender dois fatos sobre a Vida
que por tanto tempo confundiram os teólogos: por que a história está tão cheia
de desgraças, e por que essas desgraças costumam ser tão interessantes. A elas
assistem Entes primordiais que não tem muito mais o que fazer.
Quando associamos tais insights apodíticos
à motivação número 2 que mencionamos acima (ou seja, a de que a grandiosidade
não possui, desde uma perspectiva metafísica, nenhum valor intrínseco),
torna-se bastante fácil compreender que os objetos que constituem o Mundo não
são mais valiosos, a partir de uma perspectiva criacionista, simplesmente por
possuírem dimensões físicas descomunais (como certamente possuem as galáxias,
os quasares e as supernovas): na verdade, o
valor desses objetos deve ser medido por sua capacidade de combater o tédio
cósmico. Uma bactéria invocada, um cogumelo lisérgico, um espongóide
modernista ou mesmo uma catota fractal pode cumprir bem melhor este objetivo do
que, por exemplo, a extensa superfície de um enorme planeta morto.
Como negar então, Zé Roberto, que o Crato seja, incontestavelmente o
centro do mundo? Pois que lugar poderia melhor afastar o aborrecimento
primordial do Ser, senão o barranco que há em frente ao velho Seminário, de onde se pode ver, em madrugadas tão solitárias, um tapete de
astros se estendendo até a linha em que o negror pontilhado do céu
encontra o mais profundo negror pontilhado do chão? É preciso ser louco para não se embriagar
com a brisa que roça as torres das igrejas e os pés de oiti. A cidade inteira
dorme, indiferente a seu significado existencial, sem se dar conta
de que ela é um delírio cósmico sobre uma vida prosaica, impossível e
inexplicavelmente bela, na qual velhos amigos
se encontram, tomam cerveja, e conversam sobre a infância.
Não dá mesmo para evitar uma
alegria incomunicável, apenas por poder ver as ladeiras, as praças, a
prefeitura, o canal, os postes alaranjados, a Igreja da Sé, o parque, o
palmeiral e todas aquelas casinhas... Pois a nostalgia de que está
impregnada a brisa é a própria nostalgia do Nada a partir de que o mundo foi
criado – criado apenas para que aquele barranco e aquela visão pudessem
existir.
Todo o resto da criação – os abismos siderais, as guerras, todas as
histórias que já foram contadas – são apenas um pano de fundo: elas existem
para permitir um certo tom que torna
o quadro perfeito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário