Crítica
da Besteira Pura
(Kritik der reinen Besteirunft)
Por Kant Gregoriano
Traduzido por Eduardo
Siebra, 28/11/2013
Todo
o nosso conhecimento da besteira humana começa pela experiência do besteirol,
mas isso não prova que toda besteira derive necessariamente da
experiência. Eis a pergunta que me
coloco: haverá uma besteira independente da experiência e das impressões dos
sentidos, ou seja, uma besteira pura a priori?
A
questão parece ser estritamente acadêmica, mas no mundo em que vivemos, em que
a capacidade humana de falar besteiras vem adquirindo papel cada vez mais
central, a existência hipotética de uma besteira em si é questão de cada vez
maior peso intelectual. Será o homem uma criatura besta por natureza, ou seja,
teremos uma capacidade inata a conhecer e a fazer idiotices? Ou será a
estupidez aprendida e condicionada pela experiência? Haverá besteiras universais?
Serão possíveis besteiróis sintéticos a priori?
Essas
são as perguntas fundamentais apresentadas pela Crítica da Besteira Pura –
disciplina que comecei a desenvolver quando fui admitido na faculdade de
Direito, e que venho aprofundando com minha experiência no funcionalismo. Seu objetivo é definir os limites da besteira
humana, ou seja, definir se e em que circunstâncias o próprio universo é besta,
ou se a percepção da estupidez é subjetiva, e depende de uma capacidade inata
de conhecer a besteira.
Desde
já quero deixar claro que evitarei, em minhas discussões, dar exemplos concretos,
para evitar me alongar demasiadamente. Suponho que o leitor avisado, porém, não
terá dificuldade em transpor para sua experiência concreta os debates que,
nesse texto, assumirão uma roupagem especulativa – transpondo, assim, para shows
de stand up comedy ou para as estéticas anglo-saxãs os ensinamentos da Doutrina
Transcendental da Besteira.
Principiemos
nossa discussão estabelecendo os limites de nossa percepção do mundo. O que nós
conhecemos através de nossos sentidos e da nossa experiência não é o universo
como ele realmente é, em sua essência, mas sim o universo tal qual ele se nos
apresenta à nossa cognição. Isso nos permite fazer a distinção essencial entre
a besteira enquanto fenômeno da besteira enquanto númeno.
Enfatize-se:
o conhecimento imediato da besteira em si está para sempre vedado ao ser
humano. Talvez uma criatura intelectual, capaz de conhecer imediatamente os
objetos sem a mediação dos sentidos – criatura, portanto, diferente de todos os
seres que conhecemos – pudesse conhecer a essência última de uma asneira de
determinada retórica política salvacionista. Nós, porém, em razão das
limitações de nossa faculdade de conhecer, só podemos perceber a asneira tal
qual ela se apresenta aos nossos sentidos, ou seja, o fenômeno da asneira.
Por
outro lado, é imperioso admitir que, se nós não tivéssemos, a priori, a
capacidade de conhecer esse besteirol enquanto tal, jamais poderíamos
reconhecer uma besteira concretamente feita ou falada, por mais fenomenal que
ela fosse. É essa intuição que nos leva a compreender que o ser humano possui
um sentido inato da idiotice, ou aquilo que, para ser mais preciso, denominarei
de "Síntese do Diverso da Besteira".
Nosso
espírito possui, portanto, pré-requisitos formais para conhecer o diverso da
besteira. Tratam-se das categorias do besteirol – pressupostos cognitivos sem
os quais qualquer manual pedagógico construtivista se torna ininteligível. Para
fins de clareza, apresentamos a seguinte tábua de categorias da Besteira Pura:
TÁBUA DAS
CATEGORIAS DA BESTEIRA PURA
1. Da Quantidade
Uma
besteira
Muitas
Besteiras
Besteirol
Total
2.
Da Qualidade:
3. Da Relação
Realmente besta Inerentemente besta e substancialmente besta
Meio-besta Causa
de uma besteira e consequência de uma besteira
Zênite da
besteira Comunidade de asneiras
4. Da Modalidade
Besteira possível e besteira impossível
Existência e inexistência de uma besteira
Necessariamente besta e ou besta por acaso
Ora, se sem as categorias seria
impossível conhecer o besta e fazer a "síntese do diverso da
besteira", sem a experiência real da idiotice elas não passam de um mero jogo
de palavras – um divertimento da besteira pura, desprovido de conteúdo. Nossa
capacidade inata de conhecer a idiotice, portanto, é uma forma da experiência
possível da idiotice, que não pode por si só produzir conhecimento objetivo,
sem o conteúdo da experiência real da besteira.
Além disso, só somos capazes de
conhecer a besteira porque nossa consciência possui a unidade da apreensão da
besteira, que é o que por si só constitui a relação das representações a uma
besteira, a sua validade objetiva, portanto aquilo que a converte em
conhecimentos, e sobre ela assenta a própria possibilidade da besteira. Não nos
iludamos achando que é a síntese transcendental da besteira que nos permite
chegar a uma ideia de eu. Pelo contrário, é a nossa própria consciência de
individualidade (ou a unidade da apreensão da besteira) que nos permite a
percepção do diverso da besteira, ou seja, entender que não apenas eu sou
besta, mas que há besteiras exteriores a mim, que não se confundem comigo
mesmo. Com isso, refutamos o idealismo
do besteirol[1]. Toda
tentativa de extrair proposições metafísicas de nossa capacidade inata de
conhecer o besta é vã: a besteira pura não pode, por si mesma, produzir um
conhecimento sem o amparo de uma besteira possível.
A besteira em si, num raro instante em que se permitiu conhecer. |
A essa altura, imagino já ter desfeito
dois grandes equívocos sobre o ser besta. A idiotice não está nem só no idiota
nem só no incomodado: ela exige a co-participação do entendimento do observador
e da falta de noção do imbecil. Com isso, refutamos qualquer pretensão a um
objetivismo do besteirol – a crença dos velhos metafísicos de que a besteira é
objetiva, ou seja, está nas coisas e nos gestos. Porém, simultaneamente nós nos precavemos
contra qualquer relativista: a subjetividade do besteirol concretiza-se pela
experiência real da besteira, e as regras inatas da percepção da idiotice
permitem-nos um objetivismo limitado ao julgar a estupidez das pessoas. Nossa
capacidade transcendental de compreender a besteira autoriza juízos tão
ousados como o de que "a cada dia que passa, o mundo e as pessoas tornam-se
mais e mais imbecis" – e poder fundamentar juízo tão desconcertante é um
dos grandes trunfos da Crítica da Besteira Pura.
"Cogito ergo sum besta".
Essa é a pedra de toque de toda a minha filosofia transcendental. É pensando
que me dou conta, por um lado, de minha própria condição de cabra besta e, por
outro, que intuo a estupidez essencial das pessoas com quem convivo. Chegamos,
aqui, à primeira e mais fundamental das antinomias da besteira pura[2].
Pois, se é por ser capaz de identificar, aprioristicamente, as características
de um comentário, um discurso ou um texto besta, que eu intuo a besteira alheia,
a própria possibilidade de conhecer essa besteira me torna, em potencial, um
cabra profundamente besta.
O que se prova com essa crônica
incrivelmente abobalhada, que é besta justo por se dar ao trabalho de dissertar
sobre essa baboseira toda.